quarta-feira, 7 de abril de 2010

Tiros. Muitos tiros.

"Abaixei a cabeça rápido. Coloquei-a entre os joelhos. Num movimento súbito me escondi atrás de uma grande pedra. O céu se coloria em flashes repentinos. Seria bonito, se não fosse triste.
Não sei como, mas as coisas aqui acontecem assim, sem darem recado. Elas simplesmente explodem ao meu lado. Já tenho até medo de escrever esse diário. Talvez esteja sendo perseguido por alguém. É assim que eu sinto."

Tudo calmo, mas um dia nessa vida errante. Até que, do nada, um homem alto, de barba grisalha, um sobretudo surrado e um chapéu que lhe tapava os olhos se aproximou. Na verdade não muito, apenas se esgueirou por trás de uma árvore e parou na minha frente, diante do meu caminho. Levei um susto, andava sem pensar em nada. Ele me falou manso, com uma voz paterna inegável. Não podia ver seus olhos, mas sua aparência misteriosa era incrível. Me cumprimentou e, sem delongas, me falou sobre algumas pessoas que queriam ver-me morto. Me disse que era melhor me apressar. De repente, não mais que de repente, sacou uma pistola com a mão direita e apontou em minha direção e, por sobre a minha cabeça, matou um corvo parado em um galho seco. Senti frio nas plantas dos pés.
Me disse para ir para trás da pedra grande à beira do caminho. Me deu uma arma (que eu nunca soube usar, aprendi de relance) carregada. Disse para estar sempre alerta. Me direcionei para a pedra. Parecia estranho confiar tanto em um homem como aquele. Até hoje me pergunto se fiz o certo. Aliás, se estou aqui escrevendo, ao menos estou vivo.
Não deu tempo. Foi sorrateiro. Ouvi disparos. Me escondi atrás da pedra. Pude ver aquele homem, que eu nem sabia o nome, atirando em vários algozes, montados em cavalos negros, com sobretudos pretos, luvas pretas e chapéus pretos naquele calor infernal. O vi derrubar alguns antes de deitar. Tive muito medo. De súbito fui tomado de coragem e levantei em um salto. Atirei em alguns homens, mas eles pareciam gafanhotos, para cada um derrubado, apareciam mais três. Vi o meu parceiro tomar um tiro, bem na minha frente.
Colocou a mão no ombro em que sangrava. Retirou para matar mais dois inimigos. Eram os últimos. Ou parecia.
Vieram muitos. Muito mesmo, e foram tomando posição de círculo em volta de nós. Aquele homem que eu tomara por amigo estava ofegante, tentando estancar o ferimento. Em um instante ele levantou a cabeça e gritou. Pude ouvir com nitidez suas palavras, apesar do clima pesado do ar, que faziam as palavras impossíveis de entender, e as ideias impossíveis de aglutinar. Ele disse pura e simplesmente: "Por hoje chega! Vão embora!"
Pude ver todos aqueles seres amedrontantes abaixarem suas cabeças e saírem, lentamente. Me senti seguro, apesar de tudo. Me olhou com olhar triste, com olhos verdes que eu não havia visto nunca, de uma cor tranquila, serena. Me disse que aquela luta era minha, e que eu devia seguir sozinho. Me disse que estaria comigo, não importa onde, não importa que eu não estivesse vendo. Antes que eu perguntasse;
Apaguei.
Me lembro de ter acordado, em algum lugar.
Sim, era mesmo, acordei em uma casinha, onde pude clarificar minhas ideias. Uma mulher baixa, de face sofrida me deu de comer, e simplesmente desapareceu em algum cômodo daquela ilucidez. Ou semi lucidez.
Apareceram munições em minha mochila, e uma nova arma, que eu havia visto na mão dele. E é assim que vou chamá-lo. Não queria tornar desse um diário de guerra. Mas é o que parece. Contra o que ou quem eu não sei. Só sei que será, a favor de mim. E por ele.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Contradições Interiores

Hoje sentei em uma pedra na estrada. Refleti sobre os dias que se passaram. Sobre como não consigo me controlar exposto aos meus impulsos. De como repito os mesmo passos, os mesmo tropeços, as mesmas escoliações nas mesmas cicatrizes mal saradas. Pensei que não devia ser amado por ninguém. Que nada em mim é digno de tão perfeito sentimento.
Mas ainda assim, parece que algo lá dentro fala o contrário. Ou melhor, grita, esperneia. É como se uma pedra quisesse subir o rio, não se importando com a corrente, com a gravidade, com a sua natureza pesada, fria. Talvez o seu impulso interior fosse maior, seu ímpeto pudesse levá-la além. Mais ainda.
Podia fazer tornar-se grande. Pensamentos vãos, ó dilema intelectual. Pensar racional, me levar pelo sentimental, me fechar à tudo e todos, me render ao sarcasmo, à ironia e ao meu fugaz humor negro. Ou ainda ser franciscano, abdicar dos risos, do que é rico, do que liso, do que me faz humano. Ou ainda mais ou menos humano, ou nada humano, ou super-humano. Ou ainda desumano.
Não importa, são só coisas bestas. Diário besta, caminho besta. Mas afinal, temos tanto tempo à perder, não que importe o quanto estamos a mercê, alienação, subjugação, decisão, criação, nada mais importa, já que o medo passa a porta que seria a útima esperança. De que algo nos traria segurança.
Fujo sim do estilo literário, escrevo ignorando o gramatical, o parnasiano e o moderno. Tudo se mistura ao mesmo tempo que se separa. De mesmo modo que se atraem e repelem.
Sim, nenhum sentido no que eu disse. É só a contradição dentro de mim, dessa mente insana.

domingo, 7 de março de 2010

Quem sabe...

Será que sou só eu? Às vezes me pergunto se isso é tão incomum, se alguém vê do mesmo jeito. Será que sou só eu que prefiro o frio ao calor? Ou ainda o abraço ao rancor? Será que só eu me prendo à olhares? Porque me são tão fascinantes? Porque me prendo à sorrisos, palavras, carinhos. Porque me prendo a fantasmas, às almas penadas que, ainda que nunca tenham vivido de fato, são perturbadores. Será que só eu tenho lembranças ao ouvir as mesmas músicas? E será que ainda assim, depois de tudo, consegue abrir um sorriso verdadeiro e esquecer de tudo, será que sou só eu?

Palavrões me passam pela mente, ao mesmo tempo que se misturam com perfumes, melodias melancólicas e o pulsar de algo que se aproxima da raiva. Impulsivamente penso em chutar o objeto mais próximo. Controladamente dou um murro em algo sólido. Eu sei, o sol amanhã secarão as lágrimas do sereno. Eu sei, tudo sempre volta ao normal, o meu sorriso pontual, o meu riso sempre igual. Porque no rio só desce o que é leve, o pesado se junta, protege. O que fica é forte, é consistente. E é assim que termino, sempre igual, sempre diferente, sempre contraditório, irreverente. Sempre compassivo, tão solenemente. Subversivo, obediente. Compulsivo, ironicamente. Fingindo sorrateiramente, o que passa na mente.

Rima, métrica, nada expressa sentimento. Poesia é supérfluo, quando minha espinha arrepia, o coração se agita, a mente palpita, a boca saliva, os olhos também. Mas tudo, tudo volta sempre ao normal.

Como o curso de um giro, tudo sempre volta à posição inicial. Quem sabe, um dia, os parafusos se soltem, e essas rodas possam fugir livremente. Quem sabe andem em estradas planas, onde as flores não caem, onde o fogo não se apaga, onde mortos morrem. Quem sabe.

Hoje

Hoje acordei diferente. Acordei com vontade de escrever. Lembrei desse infame diário, que apesar de não pesar na velha bolsa, pesa na mente. Talvez não seja de fato um diário. Porque não é de fato diariamente que o visito. Mas quando visito, deixo mais do que a receita de um dia. Ou não.
Assisti outra lição moral de algo que eu chamo de vida. É pessoal, chame como achar melhor. E dessa vez foi de fato reveladora.
Caminhava pela praia, o que sempre me dava prazer. De repente comecei a me deparar com um enorme canteiro de obras. As pessoas andavam de um lado para outro, pareciam que sabiam o que tinham de fazer, o que depois eu soube ser só parte do show. Elas carregavam grandes blocos, faziam argamassas, levantavam paredes. O mais incrível era: cada um fazia o seu edifício. E sem a ajuda de ninguém, apesar de eles sempre me falarem o contrário.
Vi homens levantarem castelos, grandes obras de arte, o que me deixava espantado. Por um momento, sentado sobre uma daquelas grandes dunas, tive a sensação de que aquele lugar não era propício para aquelas construções. Ainda assim, preferi manter-me inerte. Era o mais seguro.
Decidi manter meu posto e assistir com mais afinco as obras, quem sabe aquilo pudesse me dizer algo. E podia.
Um daqueles construtores levantou um castelo imenso, o decorou cuidadosamente com o que havia de mais precioso por perto. Cuidou de cada detalhe. Tive a honra de visitar os aposentos, e vi o quanto havia dado trabalho. Tudo se encaminhava perfeitamente. Ótima conjugação para esse verbo.
De repente, como costumeiramente, no fim de alguma tarde preguiçosa, o vento do sul soprou forte. E como sempre, muito forte. As pedras soltas voavam, e as pessoas corriam de um lado para outro. Em um lapso, sem mostrar resistencia, o grande castelo ruiu, como uma grande pedra afundando em águas agitadas, como um pássaro atingido por uma bala. tudo o que era de mais precioso se fazia em terra.
Pensei em como seria doloroso. Pensei em como deve ter sido penoso. Mas, ao mesmo tempo, sabia que praia não é lugar de castelo, e areia não serve de alicerce. Pensei ainda que de nada adiantava tanto pensar. De nada adiantava tanto escrever, tanto esgoelar. Cada um escolhe seu terreno, e isso é irrevogável.
Quem sabe um dia alguém aprenda algo com essas palavras tolas. Quem sabe faça sentido pra alguém. Quem sabe algum construtor tire lições, ou ainda algum sábio, que não se leva por paixões. Malditas suposições!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Óculos

Hoje tive uma experiência incrível, com uma daquelas coisas bestas, que nos fazem pensar em como tiramos grandes conclusões a partir de acontecimentos simples.
Caminhando, como sempre, sem rumo e destino, encontrei um homem baixo, de pele queimada pelo sol, com um jeito engraçado de nordestino, vendendo alguns óculos escuros. Daqueles baratos, que se dá pra criança pequena, sabendo que ela vai quebrá-lo. Como o sol era escaldante, e a feição triste daquele homem me convidara, comprei o mais barato dos produtos, com uns trocados que obtivera em algum canto de alguma pequena cidade fétida.
Finalmente o sol não brilhava com tanta força, os meus olhos e a minha cabeça não doíam com tanta intensidade, a poeira já não era um inimigo tão presente. Logo mais a frente, vi um homem estranho. Ele tinha chagas por todo o corpo. As marcas lhe eram evidentes. Não pude deixar de sentir muita pena daquele coitado. Deveria estar à poucos passos da morte, com alguma doença incurável. Ainda assim, senti medo, e saí de perto daquele homem. Ele, ainda assim, me parecera tão feliz, tão tranquilo em seus passos. Era de fato estranho.
Passei por uma casa, onde pude ver marcas profundas nas paredes, assim como nos rostos daquelas mulheres sofridas lá dentro. Pareciam perto da morte. Me senti em um vilarejo fantasma, onde todos estão em parte mortos, em parte vivos. Temi, e corri para longe.
Depois de alguns passos, um vento forte me arrancou os óculos do rosto. Ele voou longe, de modo que não conseguiria alcançá-lo facilmente. Olhei para trás, procurando de alguma forma reavê-lo. Olhei por mais um momento aquela pobre casa.
Dei um passo para trás. Senti um calafrio. As marcas naquela parede haviam desaparecido, assim como os rostos tomavam uma forma amigável e incrivelmente saudáveis.
E disso também tirei lição. Os óculos, que me foram vendidos por aquele charlatão maranhense estavam arranhados. Tudo me parecera ter a mesma forma. Aprendi que quando a lente é suja, tudo o quanto se vê torna-se sujo. E isso me surpreendeu (e me surpreende até hoje) deveras.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Diário

Pode parecer estranho ler o diário de alguém como eu. Um andarilho, indigente, esfarrapado, desolado. Mas, muitas vezes, assisto a coisas que me obrigam e descrevê-las. Talvez as páginas desse caderno amassado sejam perdidas ao vento, queimadas em algum fogo, a fim de aquecer algum corpo desesperado, ou ainda lançadas fora, vindo da mão de quem o veio. Mas, por sorte, alguém leria essas bobagens, e quem sabe fizesse sentido.
Aprendi muitas coisas. Andar pelas ruas solitário é um exercício de aprendizado constante, de vida em sociedade, de sentimento, de respeito e tudo que abraçam a condição humana. O mundo é imenso. É até infinito, já que, ao chegar ao final do círculo, tudo que estava no início se renovou, e nunca vejo as mesmas coisas. São sempre novas. E, ao mesmo tempo, sempre iguais. Pessoas são pessoas. São corações, almas, espíritos. Isso e só isso caracteriza um ser humano. E elas são um mosaico, com colagens expressivas, feitas por todos que passavam em sua frente. Como um filme fotográfico, elas absorvem o exterior, e transformam em interior. E todas as telas são iguais, antes de receber os cacos que moldarão a sua personalidade. Elas são muito pouco da obra. Prefiro crer que todos são bons, até que algo altere a órdem das pedrinhas. Até que algo saia fora do esperado. Talvez o meu pensamento também mude.
Porque, pensamentos e sentimentos são acima e mais do que qualquer outra coisa, efêmeros. Efêmeros ao extremo, ao ponto de sobreporem os corpos e as mudanças climáticas. Elas são como as ondas do mar. Elas andam por todo o oceano, elas vão e vem. Elas são só uma pequena parte, de toda a água que é a existência humana.
Prefiro não descrever a mim mesmo, nem a personalidade do meu mosaico. Prefiro que captem, em cada letra, linha ou entrelinha, quem eu sou de verdade. Que a minha caminhada possa influenciar na de todos. Que as lições sejam compartilhadas acima de tudo. É esse, hoje, o meu desejo.